Doença falciforme deve ser diagnosticada ainda na infância

Hoje é o dia mundial de conscientização sobre a enfermidade, que acomete mais de 2 mil pessoas no DF e pode ser identificada com o teste do pezinho

Catarina Loiola, da Agência Brasília I Edição: Débora Cronemberger

O diagnóstico precoce é feito pelo teste do pezinho, realizado em recém-nascidos dentro do Programa de Triagem Neonatal. De acordo com o Hospital da Criança de Brasília, a cada 1.200 nascimentos no Distrito Federal, pelo menos um recém-nascido tem a doença

Dores intensas, remédios, internações e transfusões de sangue. Esse é o dia a dia de mais de 2 mil pessoas no Distrito Federal acometidas pela doença falciforme. No Brasil, o número de pacientes sobe para 30 mil, segundo o Ministério da Saúde. A enfermidade crônica, hereditária e genética, caracteriza-se por uma falha na estrutura da hemoglobina, que ao invés de ter forma de disco, parece com uma foice ou lua minguante, prejudicando o transporte do oxigênio pelo organismo.

Este domingo (19) é o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme, instituído em 2008, pela Organização das Nações Unidas (ONU). A proposta é que o conhecimento sobre a enfermidade seja difundido, para facilitar o diagnóstico precoce e o tratamento por toda a rede pública.

Teste do pezinho permite o diagnóstico precoce da doença falciforme, também conhecida como anemia falciforme | Foto: Breno Esaki/Arquivo SES

O diagnóstico precoce é feito pelo teste do pezinho, realizado em recém-nascidos dentro do Programa de Triagem Neonatal. A criança, então, passa a ser acompanhada regularmente no Hospital da Criança de Brasília (HCB), com uma equipe especializada, esquema especial de vacinação e suplementação com ácido fólico. A família recebe apoio, orientações e técnicas de autocuidado.

“Não é só uma anemia. Com a alteração da vasculatura do glóbulo vermelho, entendemos que é uma doença sistêmica, que pode prejudicar todos os órgãos do corpo”Ísis Magalhães, diretora técnica do Hospital da Criança de Brasília

De acordo com dados do HCB, a cada 1.200 nascimentos no Distrito Federal, pelo menos um recém-nascido tem a doença e, atualmente, 741 crianças falciformes são atendidas na unidade. Destas, 87 fazem parte do programa de transfusão regular para prevenir o Acidente Vascular Cerebral (AVC), uma das ameaças da enfermidade.

Na última quarta-feira (15), a Fundação Hemocentro de Brasília (FHB) realizou um evento em comemoração ao dia de difusão de conhecimentos e informações sobre a falciforme, com participação de pacientes e profissionais da saúde.

A hematologista pediatra, Ísis Magalhães, diretora técnica do HCB, explica que a falciforme impacta diretamente na rotina dos pacientes, com crises de dores, insuficiência renal progressiva e maior suscetibilidade a infecções, além do risco de alterações no desenvolvimento neurológico. “Não é só uma anemia. Com a alteração da vasculatura do glóbulo vermelho, entendemos que é uma doença sistêmica, que pode prejudicar todos os órgãos do corpo”, explica a hematologista.

Arte: Agência Brasília

Ela ressalta a importância de que toda a sociedade entenda que a falciforme causa dores crônicas e diversos outros problemas à saúde. “É um problema de saúde pública que tem que ser conhecido por todos e atendido por todos, nas unidades de emergência. Esse envolvimento da sociedade civil é muito importante para a busca de políticas públicas que protejam e facilitem a vida dos pacientes”, completa ela.

Apoio sistêmico

Hemocentro promoveu evento sobre o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme | Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

A Fundação Hemocentro de Brasília (FHB), como responsável pela gestão do Sistema de Sangue, Componentes e Hemoderivados do DF, coordena a política de atenção integral aos pacientes com falciforme. São promovidas capacitações técnicas de profissionais de saúde e estudantes da área, para orientação dos portadores de hemoglobinopatias. Já o atendimento multiprofissional em qualquer nível de atenção fica a cargo da Secretaria de Saúde do DF.

O diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Brasília (FHB), Osnei Okumoto, explica que todo o sangue doado passa por análises laboratoriais para o controle de qualidade do insumo. Mas, no caso do sangue fenotipado, aquele transfundido aos pacientes falciformes, o cuidado é ainda maior.

“Além de identificar o tipo sanguíneo daquela pessoa, nós detectamos vários outros antígenos para identificar qual o melhor sangue para os falciformes. É uma compatibilidade extra para que essas pessoas não desenvolvam resistência e o controle da doença fique mais difícil”, explica Osnei.

O gestor acrescenta que a enfermidade não pode ser negligenciada. “É uma doença extremamente perigosa em relação a problemas neurológicos e de todas as natureza. É fundamental que possamos enxergar os pacientes de uma maneira diferente para proporcionar uma qualidade de vida maior”, pontua.

Sofrimento diário

Elvis Magalhães, que coordena a Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme, foi uma das primeiras pessoas do Brasil a ficar curada | Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

Elvis Magalhães, 54 anos, conviveu com uma forma grave de anemia falciforme por 38 anos. Foram centenas de idas e vindas ao hospital, efeitos colaterais, medicações e tratamentos sem sucesso. Até que teve a possibilidade de ser transplantado com medula óssea do irmão mais novo e tudo mudou, sendo uma das primeiras pessoas no Brasil a ficar curada da doença.

“Existe esperança para as pessoas com doença falciforme e estamos lutando para que mais pessoas tenham acesso à cura”Elvis Magalhães, coordenador da Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme

“Sabe aquele compromisso com a doença que eu tinha? Acabou. Claro, continuo me cuidando, mas é muito bom viver com mais calma. Já não tinha esperança de que algo melhorasse, mas quando surgiu a oportunidade, fiquei muito feliz”, conta. Desde 2015, mais de 150 pessoas com doença falciforme receberam transplante de medula óssea no Brasil, sendo que seis residem no DF.

Atualmente, Elvis é coordenador da Associação Brasiliense de Pessoas com Doença Falciforme (Abradfal) e defende, com unhas e dentes, políticas públicas que auxiliem a vida dos pacientes, impactadas diretamente pela doença. “Existe esperança para as pessoas com doença falciforme e estamos lutando para que mais pessoas tenham acesso à cura. São inquestionáveis os avanços que tivemos nos últimos anos, mas ainda há muito a caminhar”, completa.

Esperança

“Não conhecia nada da doença, nada mesmo. Só depois de muito sofrimento, parei e estudei, porque precisava ajudar meu filho”, diz Emerson Silva | Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

O servidor público Emerson Silva, 48 anos, não conhecia a doença até que o primeiro filho, Victor Hugo, recebeu o diagnóstico, com um ano de idade. Hoje – pai de outro menino que também tem falciforme, Rafael, 9 anos -, entende sobre os sintomas, cuidados e tratamentos da enfermidade, além de participar de eventos e palestras de conscientização.

“A vida dos meus filhos já foi salva várias vezes, em internações e transfusões. O tratamento humanizado e o conhecimento sobre a doença salvam”Emerson Silva, servidor público

A descoberta da doença do primogênito ocorreu de forma inesperada: em uma visita que o menino fez à avó no trabalho, uma médica do local alertou que a criança tinha falciforme, depois de reconhecer sinais como mãos e pés inchados, e que ela deveria ser examinada urgentemente. Mesmo sem acreditar no diagnóstico visual, repassado pela avó da criança, Emerson levou o menino ao médico e teve a surpresa negativa.

“Não conhecia nada da doença, nada mesmo. Só depois de muito sofrimento, parei e estudei, porque precisava ajudar meu filho”, relembra o servidor público. Victor Hugo teve que retirar o baço ainda quando criança e passou por outras cirurgias ao longo da vida, além de centenas de internações para controlar crises de dor.

Mas, mesmo com a dificuldade imposta pela doença, ele conseguia manter uma vida agradável, estudando e trabalhando. No entanto, no dia 21 de dezembro de 2021, quando passava as festas de fim de ano na casa da avó, no Rio de Janeiro, Victor Hugo faleceu. Ele tinha 23 anos.

 

“Foi a única crise em que eu não estava lá pra ajudar, para mostrar para os médicos o que meu filho precisava”, lamenta Emerson, que também ressalta a importância do conhecimento médico e a credibilização da dor do paciente.

Agora, quem convive com a dor é Emerson, que reúne forças para seguir na luta pela conscientização sobre a doença. “Quando todos conhecerem o que é, como trata, tudo será melhor”, diz ele.

O segundo filho, Rafael, tem uma forma mais leve da falciforme e recebe o tratamento, na maioria das vezes, em casa. Quando ele foi gerado, havia a esperança de que ele fosse compatível com o mais velho, para o transplante de medula óssea, mas infelizmente não foi possível. “A vida dos meus filhos já foi salva várias vezes, em internações e transfusões. O tratamento humanizado e o conhecimento sobre a doença salvam”, finaliza.

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