Por Raquel Luiza,
Na semana passada, a Índia lançou sua primeira vacina nasal contra a covid-19. Fabricada pelo laboratório Bharat Biotech, a iNCOVACC é administrada na forma de gotas e estimula uma resposta imune nos tecidos que revestem a cavidade nasal.
Em setembro de 2022, a China havia aprovado uma vacina contra a covid por inalação, administrada na forma de spray.
Cientistas dizem que as vacinas nasais podem oferecer imunidade adicional no revestimento do nariz e das vias aéreas superiores, por onde a covid normalmente entra no corpo.
Mas como elas funcionam? E são mais ou menos efetivas do que as vacinas intramusculares?
Quase todas as doenças infecciosas em pessoas e outros animais são adquiridas através de superfícies mucosas — em situações como ao comer ou beber, respirar ou ter contato sexual. As principais exceções incluem infecções de feridas ou patógenos transmitidos por picadas de insetos ou carrapatos.
O vírus que causa a covid-19, o Sars-CoV-2, entra no corpo por meio de gotículas ou aerossóis que entram no nariz, boca ou olhos.
E, como sabemos, pode causar doença grave se descer profundamente nos pulmões e causar uma resposta imune inflamatória hiperativa.
Isso significa que o primeiro contato do vírus com o sistema imunológico é provavelmente pelas superfícies do nariz, boca e garganta.
Isso é corroborado pela presença de anticorpos SIgA contra Sars-CoV-2 nas secreções de pessoas infectadas, incluindo saliva, fluido nasal e lágrimas. Os pontos onde estão essas secreções, especialmente as amígdalas, possuem áreas especializadas que desencadeiam especificamente as respostas imunes da mucosa.
O SIgA, também conhecido como IgA secretório, é um tipo especializado de anticorpo produzido pelo sistema imunológico da mucosa. Anticorpos ou imunoglobulinas são proteínas geradas por nosso sistema de defesa para “neutralizar” agentes invasores, como vírus e bactérias.
Os anticorpos se ligam a antígenos específicos: a parte ou produto de um patógeno que induz uma resposta imune. A ligação aos antígenos permite que os anticorpos os inativem, como fazem com toxinas e vírus, ou matem as bactérias com a ajuda de proteínas ou células imunológicas adicionais.
Como o SIgA está localizado em secreções mucosas, como saliva, lágrimas, secreções nasais e intestinais e leite materno, ela é resistente a enzimas digestivas que destroem prontamente outras formas de anticorpos.
Também é superior à maioria das outras imunoglobulinas na neutralização de vírus e toxinas e na prevenção de bactérias de se ligarem e invadirem as células que revestem as superfícies dos órgãos.
Algumas pesquisas indicam que, se essas respostas de anticorpos SIgA se formarem como resultado de vacinação ou infecção anterior, ou ocorrerem com rapidez suficiente em resposta a uma nova infecção, elas podem prevenir doenças graves confinando o vírus no trato respiratório superior até que seja eliminado.
Como as vacinas nasais previnem infecção?
As vacinas podem ser administradas por vias mucosas, através da boca ou do nariz. Isso induz uma resposta imune através de áreas que estimulam o sistema imunológico da mucosa, levando as secreções mucosas a produzir anticorpos SIgA.
Existem várias vacinas mucosas existentes, a maioria delas por via oral. Atualmente, apenas uma, a vacina contra a gripe, é administrada por via nasal.
No caso das vacinas nasais, os antígenos virais destinados a estimular o sistema imunológico seriam absorvidos pelas células imunes dentro do revestimento do nariz ou das amígdalas.
Embora os mecanismos exatos pelos quais as vacinas nasais funcionam nas pessoas não tenham sido completamente estudados, os pesquisadores acreditam que elas funcionam de forma análoga às vacinas nas mucosas orais.
Os antígenos da vacina induzem as células B nos locais da mucosa a amadurecer em células plasmáticas que secretam uma forma de IgA. Esse IgA é então transportado para as secreções mucosas por todo o corpo, onde se torna SIgA.
Se os anticorpos SIgA no nariz, boca ou garganta atingirem o Sars-CoV-2, eles podem neutralizar o vírus antes que ele caia nos pulmões e estabeleça uma infecção.
As vacinas nasais podem fornecer uma alternativa mais acessível às injeções para pacientes que não suportam agulhas.
Benefícios
E qual a vantagem das vacinas nasais contra a covid-19?
Segundo Michael W. Russel, professor emérito de Microbiologia e Imunologia da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos, “as vacinas nasais induzem especificamente anticorpos SIgA nas secreções nasais e salivares, onde o vírus é inicialmente adquirido, e podem prevenir a transmissão de forma mais eficaz”.
“Acredito que, sem dúvida, a melhor maneira de proteger um indivíduo contra a covid-19 é bloquear o vírus em seu ponto de entrada ou, pelo menos, confiná-lo ao trato respiratório superior, onde pode causar relativamente poucos danos”, diz ele, em artigo para o site de notícias acadêmicas The Conversation.
“Quebrar cadeias de transmissão viral é crucial para controlar epidemias. Os pesquisadores sabem que a covid-19 se espalha durante a respiração e a fala normais e é exacerbada por espirros, tosse, gritos, cantos, etc.”
Russel explica que como essas emissões se originam principalmente de saliva e secreções nasais, onde a forma predominante de anticorpo presente é SIgA, “é lógico que secreções com um nível suficientemente alto de anticorpos SIgA contra o vírus possam neutralizar e, assim, diminuir sua transmissibilidade”.
As vacinas existentes, no entanto, não induzem respostas de anticorpos SIgA. As vacinas injetadas induzem principalmente anticorpos IgG circulantes, que são eficazes na prevenção de doenças graves nos pulmões.
Por isso, as vacinas nasais podem ser um complemento útil às vacinas injetáveis em pontos críticos de infecção.
Especialistas também lembram que, como não requerem agulhas, podem ajudar a superar a hesitação vacinal devido ao medo de injeções.
INCOVACC
Equipes de pesquisa no Reino Unido e nos Estados Unidos também estão pesquisando vacinas por spray nasal.
Em novembro, a agência nacional de vigilância sanitária da Índia aprovou o uso da iNCOVACC como uma dose de reforço heteróloga — um reforço para pessoas que receberam anteriormente duas doses de Covishied ou Covaxin, as duas principais vacinas indianas — em situações de emergência entre adultos.
Em dezembro, foi aprovada como vacina primária e como reforço subsequente em adultos.
A vacina custará 800 rúpias (cerca de R$ 50) por dose em hospitais privados e 325 rúpias (R$ 20) por dose em hospitais públicos. O imunizante pode ser reservado na plataforma online do governo. São necessárias duas doses, com intervalo de 28 dias.
A iNCOVACC usa um adenovírus como portador do código genético que ensina o corpo a combater a infecção. Os adenovírus usados nas vacinas são transportadores inofensivos que foram modificados para que não possam se replicar ou causar infecção.
Krishna Ella, presidente da Bharat Biotech, disse à agência de notícias ANI que a vacina era “fácil de administrar”, pois não precisa de seringa ou agulha e produz uma resposta imunológica mais ampla em comparação com as vacinas injetáveis da covid.
A Índia administrou mais de 2 bilhões de doses de vacinas contra a covid até agora. Grande parte da população indiana tomou pelo menos duas doses, de acordo com o Ministério da Saúde do país.
Em janeiro de 2022, o país começou a dar reforços aos profissionais de saúde e da linha de frente e àqueles com mais de 60 anos com comorbidades. Mais tarde, foi expandido para todos os adultos. No entanto, o ritmo das doses de reforço administradas vem ficando mais lento.