Por RAQUEL LUIZA,
A encefalopatia hepática (EH) é uma condição neurológica e psiquiátrica que surge em pacientes com hepatopatias, principalmente na cirrose, sendo mais comum em indivíduos muito magros e de idade avançada. Apesar de ser uma síndrome grave, o quadro torna-se reversível se houver tratamento apropriado na maioria dos casos.
O que é?
Distúrbio neuropsiquiátrico, potencialmente reversível, consequência de disfunção hepática.
Em quem ocorre?
Pode ocorrer associado a insuficiência hepática aguda, shunt portossisêmico na ausência de doença hepática intríseca, ou em pacientes cirróticos ( 70% dos pacientes apresentam um episódio de encefalopatia mníma no decorrer da doença).
Fisiopatologia
O fígado é o primeiro órgão que tem contato com as substâncias absorvidas e metabolizadas no intestino, sendo ele então, o responsável por depurar todas as toxinas, ou seja, transformá-las em componentes puros, para encaminhar para a circulação sistêmica, quando atinge todos os órgãos.
Quando há uma doença importante no fígado, ele não funciona de forma adequada e as toxinas não depuradas passam a circular no nosso organismo, podendo haver assim lesão de outros órgãos, como o cérebro, o coração e os rins . Apesar de a fisiopatologia da encefalopatia hepática ser multifatorial e ainda não bem elucidada, sabe-se que a principal toxina relacionada é a amônia.
Proteínas ingeridas na dieta, sofrem catabolismo de bactérias intestinais e das nossas próprias células (enterócitos), originando a amônia, substância que é capaz de ultrapassar o “escudo” do sistema nervoso, a barreira hematoencefálica. No fígado normal, a amônia é transformada em amônio, que não consegue passar por essa mesma barreira.
No encéfalo, a amônia leva ao aumento de estresse oxidativo, que por sua vez aumenta a quantidade de citocinas inflamatórias, causando alterações na produção de neurotransmissores, edema cerebral e inchaço dos astrócitos (células que regulam e sustentam os neurônios).
Além da amônia, outras substâncias associadas ao desenvolvimento do problema são o manganês, benzodiazepínicos, mercaptanos e triptofanos.
O que causa a encefalopatia hepática?
A EH costuma surgir em pacientes hepatopatas com alguma das condições abaixo, consideradas fatores precipitantes:
- Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE)
- Hemorragia digestiva
- Desidratação (decorrente de vômitos, diarreia ou uso de diuréticos)
- Infecções recorrentes
- Carcinoma hepático
- Derivação portossistêmica
- Trombose de veia porta ou veia hepática
- Constipação (aumenta a quantidade de bactérias que originam a amônia)
- Baixa quantidade de cálcio no sangue
- Hipoxemia
- Alcalose metabólica (favorece conversão de amônio em amônia)
- Uso de benzodiazepínicos (Rivotril), zolpidem e álcool
Quais são os sintomas?
Os possíveis sinais e sintomas são alterações do sono, letargia, distúrbios motores, agitação e agressividade. No exame físico pode-se notar reflexos motores exacerbados, hipertonia, sinal de Babinski positivo, alteração na coordenação motora, hálito hepático e o flapping ou asterixis (movimento involuntário nas mãos ao realizar extensão dos punhos).
Os critérios de West Haven auxiliam na classificação de gravidade dos pacientes:
Para entender melhor o que é o flapping ou asterixis, a seguir assista ao vídeo demonstrando a movimentação em clonus após extensão dos punhos:
Como é realizado o diagnóstico?
O diagnóstico pe clínico!No entanto, para todo paciente com sintomas neurológicosné necessário solicitar uma TC de crânio para descartar outras causas. É essencial também investigar os possíveis fatores precipitantes da disfunção e tratá-los.
Tratamento
Suporte clínico ( oxigenação, hidratação) + Lactulose ( 30ml a cada 4h, diminuir se melhor).
Considerar neurolépticos se agitação. Evitar benzodiazepínicos. Tratar fator preciptante ( eg, sangramento do TGI, infecção, desidratação, hipocalemia, hipoglicemia, alcalose metabólica).
O manejo de pacientes depende do seu grau. Para a EH mínima ou grau 0 não é necessário tratamento. Em pacientes com grau 2 pode-se realizar tratamento ambulatorial e nos graus 3 e 4 é preferível a internação em UTI.
As medidas gerais são dieta adequada (aumentar a frequência das refeições e diminuir quantidade de proteínas ou substituir proteína animal por vegetal), hidratação e prevenção de quedas.
O tratamento medicamentoso é feito principalmente com a lactulose, que é um laxante que também propicia a transformação da amônia em amônio e sua dose deve ser ajustada para que o indivíduo tenha 2-3 fezes amolecidas por dia. Cuidado para não gerar uma overdose, o que provocaria diarreia excessiva e desidratação.
Há outras opções terapêuticas, como o uso de antibióticos, que diminuem a população de bactérias amoniogênicas, como neomicina e rifaximina (antibióticos que não são absorvidos pelo organismo, assim não têm efeito sistêmico).