Rotina de profissionais da saúde que são mães no combate à pandemia

100 dias sem contato com os filhos, almoço dentro do carro e diárias em hotel; e os cuidados de mães da Saúde para preservar suas famílias

AGÊNCIA BRASÍLIA* | EDIÇÃO: ABNOR GONDIM

Neste domingo, Brasília celebra o segundo Dia das Mães em meio à pandemia do novo coronavírus. Após 14 meses, alguns costumes passaram a fazer parte da rotina e da vida de quem combate a covid-19 na linha de frente e tem que voltar para casa ao final do plantão. Mães que, em um período do dia, prestam assistência aos pacientes acometidos pela doença; e, na outra parte, tomam todo cuidado possível para não levarem o vírus para seus filhos, cônjuges e entes queridos.

O carro é higienizado com frequência. Os sapatos ficam na varanda. Nada de se sentar no sofá ou abrir a geladeira ao chegar em casa, depois de um dia de trabalho. O primeiro passo é tomar banho e colocar para lavar todas as roupas do corpo de molho. Após isso sim, se pode abraçar o filho, beijar o esposo e – finalmente – se sentir no lar. Há mais de um ano, esse pequeno ritual faz parte da rotina de muitas mães da rede de saúde do DF. Mas essa situação já foi um pouco pior.

Mães enfrentaram a distância e o medo de levar a doença para seus filhos e pais | Foto: Divulgação / SES-DF

“A minha mãe, com receio de as meninas ficarem expostas, falou que eu as levasse para a chácara dela. Eu sabia que era mais seguro, mas, ao mesmo tempo, era doloroso chegar em casa e estar sozinha”Niaranjan de Queiroz, nutricionista do Hospital Regional do Gama

Sem contato 

Nutricionista do Hospital Regional do Gama e mãe de duas filhas, Niaranjan de Queiroz chegou a passar mais de 100 dias sem ter nenhum contato com suas filhas, a fim de evitar uma contaminação pelo novo coronavírus dentro de sua casa. De março a dezembro de 2020, a nutricionista trabalhou no pronto-socorro do HRG, enquanto suas filhas se hospedaram na casa dos avós, na zona rural da cidade.

“Quando teve o primeiro decreto suspendendo as aulas escolares presencialmente, era tudo muito novo. “A minha mãe, com receio de as meninas ficarem expostas, falou que eu as levasse para a chácara dela. Eu sabia que era mais seguro, mas, ao mesmo tempo, era doloroso chegar em casa e estar sozinha”, relata Niaranjan.

A nutricionista passou a falar com as suas filhas apenas por telefone ou chamadas de vídeo. Uma vez por semana, ela ia até a chácara de seus pais, para vê-las por algumas horas, mas não chegava sequer a descer do carro ou tirar a máscara para dar um beijo nelas. Em algumas ocasiões, enquanto a família degustava o almoço de domingo, a nutricionista fazia sua refeição dentro do carro.

“Graças a Deus eles não contraíram, mas justamente por isso, por esse distanciamento. Foi muito difícil não poder abraçar os meus filhos, não poder ter aquele contato intenso que a gente tem. A gente se privou de tudo isso”Aline Batista, enfermeira da rede pública de saúde

“Eu peguei covid em junho de 2020. Fiquei bem, tive sintomas leves e fiquei isolada em casa. Depois de 20 dias, eu fiz um novo PCR (teste para detecção do vírus) e deu negativo. Logo depois do meu atestado, eu entrei de férias. Então, passei o meu período de férias junto com os meus pais e minhas filhas, porque eu já tinha passado pela doença e pelo período de isolamento. Quando eu voltei a trabalhar, elas não voltaram para casa comigo, continuaram na chácara. Foi bem nessa época que a UTI do Gama passou a ser UTI Covid. Então, eu fiquei sem minhas filhas e trabalhando em uma UTI Covid todos os dias de julho até dezembro de 2020” ,  lembra.

Neste Dia das Mães, as coisas estão um pouco diferentes do último. Tanto a Niaranjan quanto seus pais já foram vacinados e, graças ao esforço da mãe e dos avós, as pequenas Bruna e Luísa nunca contraíram nem perderam alguém mais próximo pela doença. “Tínhamos muita tranquilidade no que estávamos fazendo, porque sabíamos que era o melhor para elas e para os meus pais”, afirma Niaranjan.

Aflição

A saudade do contato diário dos filhos também foi sentida pela enfermeira Aline Batista, que também atua na rede pública de saúde. No momento em que o DF passava pela primeira onda da covid, Aline saiu de casa para trabalhar e ficou três semanas sem voltar para casa. “Foi muito doloroso esse momento. Fiquei três semanas direto no hospital, eu e outros colegas que passaram pela mesma situação. Em um momento, a gente dormiu em hotel, porque a gente não estava mais de plantão e não tinha espaço no repouso do hospital – e, como meu pai é idoso, eles ficaram juntos, meu pai e meus filhos”, explica Aline.

Apesar dos cuidados recorrentes, a enfermeira também contraiu a doença e viveu momentos de aflição ao achar que poderia ter levado o vírus para casa.

“Eu contraí a  covid em julho de 2020. Em um momento em que eu já tinha tido contato com os meus filhos, foi quando eu desenvolvi os sintomas. Foi muito assustador. Graças a Deus eles não contraíram, mas justamente por isso, por esse distanciamento.  Foi muito difícil não poder abraçar os meus filhos, não poder ter aquele contato intenso que a gente tem. A gente se privou de tudo isso”, explica emocionada.

Neste domingo, Aline já está vacinada e os filhos Levi, Daniela e João podem estar reunidos celebrando mais um Dia das Mães, com esperança de que os dias de isolamento tenham ficado para trás.

*Com informações da Secretaria de Saúde

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